Nasceu então a necessidade de versões em latim para os livros sagrados. Essas primeiras traduções foram feitas por homens, de um modo geral, de cultura duvidosa (não dominavam o grego e muito menos o latim), usando como base a tradução grega dos LXX ou Septuaginta (*).
Dessa forma, as cópias das Sagradas Escrituras se multiplicavam criando grande confusão. Pior que isso, o texto sagrado acabou corrompendo-se. Ao que tudo indica, a primeira dessas controversas versões surgiu no fim do século dois da Era Cristã, nas províncias romanas ao norte da África. Na primeira metade do século IV, surgiu uma versão européia que Santo Agostinho chamava de “Ítala” (italiana).
Em 366, inicia-se o pontificado de São Dâmaso I. Entre 383 e 384, ele pede a São Jerônimo que revise todas as traduções feitas até então a fim de elaborar uma última e definitiva versão em latim.
São Jerônimo nasceu em algum lugar próximo à Emona (atual Croácia). Aos trinta anos fez-se monge na Síria onde aprendeu o grego, o hebraico e o aramaico. Para cumprir a missão dada por Dâmaso, durante quinze anos Jerônimo procurou cópias, comparou textos, consultou a ciência dos rabinos e os Mishna (livros que influenciaram mais tarde os judeus e os islâmicos). Na biblioteca de Orígenes, da Escola de Cesaréia, encontrou a Héxapla (seis colunas), uma versão da Septuaginta que continha o texto em hebraico e diversas versões gregas em colunas paralelas.
O primeiro grande resultado alcançado foi a versão latina do Novo Testamento. Jerônimo utilizou-se de uma das antigas versões latinas chamada “Vetus Latina”, além de usar o texto em grego dos evangelistas. Porém, não parou por aí. Traduziu também todo o Antigo Testamento diretamente do hebraico para o latim, rejeitando a versão dos LXX. Nesta tradução, excluiu os livros escritos diretamente em grego, considerando-os não canônicos.
Nascia assim a Vulgata. Uma versão das Sagradas Escrituras escrita em um latim de estilo popular e fácil, porém elegante. Dada a excelente qualidade do trabalho feito por São Jerônimo, ela tornou-se de domínio indiscutível na Igreja latina.
Entretanto, a partir do século VI, problemas começaram a aparecer. Surgiram cópias e mais cópias descuidadas da Vulgata das quais destaca-se como mais conhecida a “Parisiense”, muito usada mas infiel ao original de São Jerônimo. Essa versão, inclusive, teria sido a primeira impressa por Gutemberg, o inventor da imprensa, entre 1450 e 1452.
Em 1545, o Papa Paulo III abriu o Concílio de Trento, cujo principal objetivo era responder às proposições da reforma protestante. Neste Concílio, foi definido que as tradições apostólicas devem ser aceitas com o mesmo respeito que as Sagradas Escrituras, cujo cânone também foi fixado: a Vulgata de São Jerônimo foi declarada autêntica, ou seja, suficiente para a demonstração dos dogmas da Igreja.
Essa autenticidade só foi definitivamente interpretada pelo Papa Pio XII em 1943, quando o mesmo afirmou que a Vulgata é fonte segura da doutrina católica sendo substancialmente fiel ao texto original. Na Encíclica “Divino Afflante Spritu”, Pio XII permite e incentiva as traduções da Vulgata em língua moderna para o uso comum.
No Concílio Vaticano II, aberto em 1961, o Papa Paulo VI ordenou que fosse feita uma nova revisão no texto de São Jerônimo. A nova redação, a “neo-vulgata”, resultou no texto oficial da Igreja adotado em 1979 e perdurando até os dias de hoje.
O trabalho realizado por São Jerônimo foi de inestimável valor, permanecendo no seio da Igreja por vários séculos. É dever de toda boa edição da Bíblia, fazer referência à Vulgata.
(*) Chamava-se assim porque entre o terceiro e o primeiro século antes da Era Cristã, setenta e dois rabinos traduziram os livros do Antigo Testamento do hebraico para o grego koiné. Esse trabalho teria sido concluído em setenta e dois dias.
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A paz de Cristo!
Capa de uma cópia da Vulgata, editada em 1590
parabéns pelo texto e pela bela capa da VULGATA.
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