segunda-feira, 28 de junho de 2010

Santo Agostinho e a liberdade

O Santo Agostinho das Confissões é o filósofo que se debruça sobre a busca da verdade, tendo como testemunho o seu "errar" anterior ao da descoberta de Deus, os seus caminhos numa vida de libertinagem, caracterizada pela pergunta sobre o sentido da existência humana, sobre o verdadeiro bem. Isso significa que a descoberta de Deus é posterior à livre investigação interior. A primeira das liberdades é a de "procurar".

O livre-arbítrio está voltado para o bem e para o justo, embora aquele que age se possa equivocar sobre o seu sentido, tomando um falso bem por um verdadeiro, um bem mutável por um imutável. Isso significa que a busca do bem é algo intrínseco ao ato de sua procura, de tal maneira que não pode, moralmente falando, intervir aqui um poder superior que imponha objetivamente, por um ato de Estado, o que deve ser o bem. O cerceamento do livre-arbítrio é o caminho mais curto para que o bem desapareça.

A livre escolha faz parte da condição humana e, nesse sentido, pode-se dizer que ela é algo querido por Deus, mesmo que o erro e o engano, em suas consequências, sejam tidos por implícitos em sua realização. A liberdade de escolha consiste num ato de abertura para as mais distintas formas de bem (ou de sua ausência como mal), desdobrando-se das mais diferentes maneiras, numa busca incessante que atormenta a subjetividade humana, sobretudo a mais consciente. Em sua forma mais simples, ela se constitui numa alternativa entre duas possibilidades que se apresentam como excludentes. A satisfação de uma exclui a da outra.

A liberdade interior, segundo Santo Agostinho, é um bem muito maior do que todos os bens exteriores, os que podem ser ganhos por intermédio de coisas externas, como o são os bens da riqueza, da concupiscência e do poder. Ou seja, trata-se de um bem que poderia ser dito imaterial e que aparece ao espírito em sua relação consigo. Enquanto bem maior, ele é superior a todos esses outros bens do mundo a que estamos acostumados em nossa vida cotidiana e que almejamos na maior parte das vezes. Acontece que esse bem, que se encontra mais distante dos poderes do mundo, pode ser por estes alcançado, como quando uma pessoa se volta para o que é estimado e valorizado externamente como um bem. Assim, se uma pessoa segue a opinião corrente, sem se indagar por sua validade, se ela segue os ditames do Estado no que diz respeito ao que este estima correto ou elogiável, ela pode, progressivamente, tornar-se uma "alma escrava", incapaz de decidir por si mesma.

Os bens do mundo são, por sua própria natureza, bens mutáveis, submetidos às mais diferentes transformações e mesmo acepções. São bens cuja natureza consiste em poderem ser separáveis das pessoas que os detêm. Os prazeres da carne, da mesa, do poder e da riqueza podem ser separados das pessoas que naquele momento os usufruem. Assim, um devasso pode perder o objeto de seu prazer, um glutão pode não ter mais o que comer, um político pode perder o seu poder e um homem rico pode perder a sua fortuna. Todos estavam apegados a formas de bens relativas, submetidas às condições mutáveis da existência humana.

Decorre daí o valor da liberdade subjetiva como um bem maior, que não pode ser objeto de coerção exterior, pois é nela que se estabelecem as condições de adesão a um bem maior, objeto da liberdade de escolha. Filosoficamente, isso significa que a liberdade de escolha, entendida como esse ato subjetivo da liberdade, não deveria ser cerceada por uma força exterior, pois a própria busca do bem estaria prejudicada e, com ela, a própria opção pelo bem maior. Quando o Estado impõe o bem, ele retira do livre-arbítrio essa opção e, ao fazê-lo, torna o homem servo de um poder superior que o ultrapassa. O bem não escolhido, na verdade, cessa de ser um bem, pois não é mais o resultado do livre-arbítrio.

O Estado moderno, em suas vertentes autoritárias e, extremas, como totalitárias, tende a impor o que entende como sendo o bem, o bem tal como ele o concebe. O Estado coloca-se na posição daquele que sabe o que é o bem maior, numa espécie de sucedâneo do absoluto, desconhecendo que o verdadeiro bem é o que nasce da liberdade de escolha e, em particular, da liberdade subjetiva e religiosa. É como se a condição humana devesse não ser reconhecida na diversidade de noções de bem que a ela se oferecem, diversidade tanto maior quanto maior for a liberdade de escolha, mas devesse ser tida por objeto de uma espécie de moldagem estatal. O bem imposto pelo Estado é aquele que parte do cerceamento da liberdade de escolha.

Tomemos dois exemplos do Brasil atual: o do uso obrigatório do GPS e o da proibição do fumo, em lei aprovada pela Assembleia Legislativa paulista e objeto de uma lei que tramita no Senado Federal. Em ambos os casos observamos o Estado impondo aos cidadãos o que entende como sendo a sua noção do bem - no primeiro, o da segurança e, no segundo, o da saúde. Os indivíduos são considerados incapazes racionalmente de escolher o que é melhor para si, como se fossem menores que deveriam ser guiados por um pai que tudo sabe.

Note-se que o objeto a ser atingido é a própria liberdade de escolha, não podendo o indivíduo escolher colocar ou não o GPS em seu carro ou fumar num lugar exclusivamente reservado, com exaustores apropriados, de tal modo que o bem e o direito alheio não sejam atingidos. O bem imposto do exterior não é objeto de uma deliberação subjetiva, da liberdade do homem que busca a si mesmo nas distintas opções de sua vida. Ele não é valorizado como homem stricto sensu, enquanto livre, na procura incessante do bem, mas como ser objeto de imposição. Por que não, amanhã, proibições relativas ao consumo de bebidas alcoólicas, alimentos com gorduras e/ou colesterol ou ao uso de celulares, por causa das radiações que incidem sobre o aparelho auditivo? Onde está o limite, quando o Estado age sem limites?

Por Denis Lerrer Rosenfield, professor de filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Fonte: www.oglobo.com.br/opiniao
Colaboração: Maria Inês Chaves

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A paz de Cristo!

sexta-feira, 25 de junho de 2010

O caso Valentino Mora

O fato abaixo está sendo amplamente divulgado pela Internet.

Em 10 de outubro de 2009, na Paróquia da Assunção de Nossa Senhora, localidade de Despeñaderos, província de Córdoba na Argentina, foi celebrado o batismo de um bebê, na época com pouco mais de um mês, Valentino Mora, filho de Erica Mora, vinte e um anos e mãe solteira.

No momento em que Valentino chegou à pia batismal para receber o sacramento do batismo, Erica pediu à fotógrafa Maria Silvana Salles, que foi contratada para fotografar o batizado de outra criança, para tirar uma foto de seu filho como um favor, uma vez que a jovem mãe não tinha como pagar. A fotógrafa, comovida pelo pedido de Erica, concordou.

Segundo as informações, Maria Silvana trabalha com uma câmera convencional e teve que enviar o filme para revelação. Ao receber as fotos reveladas, houve a grande surpresa. A gratuita foto tirada pela fotógrafa, mostra que a água batismal, ao escorrer pela cabeça de Valentino, formou uma imagem praticamente exata de um Terço. O mais impressionante é que a captação desta imagem pela câmera se deu no momento exato em que ela se formou.

A foto do batismo de Valentino tem despertado a fé no povo de Despeñaderos que tem promovido verdadeiras peregrinações a humilde casa de Erica e Valentino. Cópias da foto estão sendo vendidas na região como se fossem cartões de oração (“santinhos”). Segundo a matéria, o sacerdote local, Osvaldo Macaya, teria ficado bastante impressionado, não desconsiderando a hipótese de que a imagem captada poderia ser um sinal divino.

Até onde me foi possível apurar, não há confirmação de veracidade ou falsidade da imagem. Procurei notas sobre o caso nos sites dos maiores jornais da Argentina e não encontrei nenhuma menção. A veiculação mais completa está no site argentino cadena3.com, sob a autoria de um certo Cristian Moreschi. No referido site há, inclusive, outras fotos do jovem Valentino, com sua mãe e várias outras pessoas.

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A paz de Cristo!

A impressionante e polêmica foto. Terá sido montagem?

domingo, 20 de junho de 2010

Preservar o meio ambiente - Um dever cristão

O Papa Paulo VI instituiu o Dia Mundial de Oração pela Paz a ser celebrado no primeiro dia de cada ano, Solenidade de Maria, Mãe de Deus. Nesse dia, os Sumos Pontífices têm dirigido às pessoas de boa vontade uma mensagem especial sobre o tema. Para 2010, a mensagem do Papa Bento XVI tem como título: "Se quiseres cultivar a paz, preserve a criação".

A criação é o princípio e o fundamento de todas as obras de Deus e a sua preservação é essencial para a convivência pacífica entre os povos. Os bens da criação são presentes de Deus para todos e, por isso, a utilização racional e responsável é também dever de todos, para garantir um desenvolvimento sustentável dos países, com qualidade de vida não só para as atuais gerações, mas também para as futuras.

A consciência da responsabilidade de todos pelo cuidado com o meio ambiente está crescendo, mas é preciso transformar esta consciência em programas, iniciativas e compromissos cada vez mais concretos.

Todos nós estamos sentindo, hoje em dia, as trágicas consequências da exploração irracional e egoísta da natureza: aumento da temperatura, desertificação de áreas produtivas, inundações, poluição, podendo tornar, em breve espaço de tempo, a vida do homem insuportável no planeta Terra.

O Papa Bento XVI conclui sua mensagem alertando para dois extremos que devem ser evitados: de um lado, considerar a natureza mais importante do que a pessoa, esquecendo-se que Deus constituiu o homem guardião e administrador responsávvel da criação, ou então, considerar a técnica e o poder do homem absolutos, com direito de usar e abusar da criação.

Nossa responsabilidade é grande e precisamos cuidar com carinho e respeito dos presentes tão preciosos que recebemos de Deus. É necessário que cada um de nós aceite esse desafio para que as gerações futuras sigam nosso bom exemplo e assim cuidem dos bens naturais que Deus, em sua infinita bondade, nos oferece por amor.

Baseado no artigo de Dom Raymundo Damasceno Assis, Arcebispo Metropolitano de Aparecida publicado na Revista de Aparecida, n.º 97 - abril de 2010, pág. 02

A paz de Cristo!

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sábado, 19 de junho de 2010

Pedofilia - Como lidar com esse problema?

A palavra pedofilia significa uma tendência a se abusar sexualmente de crianças. Suas causas são psíquicas, a pedofilia não vem do fato de as pessoas serem heterossexuais, homossexuais, casadas, solteiras ou celibatárias. É um transtorno de personalidade.

O mal da pedofilia inclui sempre uma violência moral. Ao violar a inocência da criança, causa-lhe traumas para a vida inteira. Pode, também, transformar-se em violência física, inclusive estupro e morte.

As práticas da pedofilia aumentaram em nossa sociedade. Sabe-se que grupos de pedófilos agem pela internet. Ocorrem também abusos de crianças dentro da família, entre parentes e muitas vezes envolvendo os próprios pais. As pessoas que carregam essa tendência buscam instintivamente modos de agir e de esconder seus atos.

A ética diante da pedofilia começa pela própria pessoa que tem a tendência. Ao percebê-la, seu dever moral é de procurar ajuda e tomar medidas para superar o problema. Esta é a sua grande responsabilidade.

Quem está de fora e vê indícios ou mesmo fatos, tem também uma grande responsabilidade, exatamente porque se trata de defender as crianças. Nos casos de fatos comprovados, os Conselhos Tutelares podem ajudar muito e estão ao alcance popular.

A pedofilia entre o clero apareceu na mídia internacional com grande destaque por diversos motivos. Primeiro porque foram descobertos vários fatos, o que seria inaceitável dada a credibilidade e responsabilidade da Igreja no que concerne à questões morais. Evidentemente, houve também uma grande exploração por parte de quem queria ganhar dinheiro com processos, ou simplesmente desacreditar a Igreja. A maioria dos casos vem de décadas passadas. Foi verificado que mais de dois terços das acusações são inconsistentes.

Mesmo assim, os casos comprovados constituem sim um grave escândalo. O foco do problema não é o celibato dos padres e sim o acobertamento desses comportamentos. Assim, a Igreja precisa aprender a lidar com a transparência na defesa das crianças diante de abusos sexuais, venham eles de onde for.

É preciso tratar esses problemas com misericórdia e responsabilidade civil. A credibilidade da Igreja não se perde pelos seus erros, mas se garante pela clareza em reconhecê-los e corrigi-los com firmeza.

Bento XVI enfrentou a questão de frente e assumiu a responsabilidade da Igreja. No encerramento do ano sacerdotal (no último dia 11 de junho em Roma), implorou "insistentemente perdão a Deus e às pessoas envolvidas" e reafirmou a disposição da Igreja em fazer "todo o possível para medir a autenticidade da suas vocações e fazer todo es­­forço para acompanhá-los ao longo do seu caminho". Um pouco antes, em sua visita a Portugal, deixou para o mundo uma declaração emblemática: "O perdão não é um substituto para a justiça." 

Baseado no artigo do Pe Márcio Fabri dos Anjos, C.SS.R., publicado na Revista de Aparecida, n.º 99 - junho de 2010, pág. 22

A paz de Cristo!

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domingo, 13 de junho de 2010

Discernimento, Liberdade e Responsabilidade

Ao longo de toda a nossa vida somos chamados a tomar decisões a cada instante. E para que todas as nossas decisões sejam sábias, o discernimento é o elemento fundamental.

O rei Salomão, em sonho, podendo pedir a Deus o que quisesse, pediu-lhe discernimento:

“Dá a teu servo um coração cheio de julgamento para governar teu povo e para discernir entre o bem e o mal, pois quem poderia governar teu povo que é tão numeroso?” (1 Rs, 9)

O discernimento moral na ética cristã é o sinal vivo da consciência moral humana. Por conseguinte, sendo a consciência a própria voz de Deus, a falta de discernimento demonstra incapacidade de ouvi-Lo.

O discernimento brota de dentro de nós, mas somente isso não é suficiente. É preciso exercitá-lo, amadurecê-lo. É necessário que estejamos sempre atentos aos ensinamentos revelados a nós pelas Sagradas Escrituras, pela Sagrada Tradição e pelo Sagrado Magistério da Igreja.

Alcançar a verdadeira liberdade implica em alcançar o pleno discernimento. Assim, podemos ter certeza de que as escolhas que fizemos estão revestidas da sabedoria de Deus. Sabedoria a qual Ele próprio dá a quem pede.

“Se alguém dentre vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a concede generosamente a todos, sem recriminações, e ela ser-lhe-á dada, contanto que peça com fé, sem duvidar, porque aquele que duvida é semelhante às ondas do mar, impelidas e agitadas pelo vento. Não pense tal pessoa que receberá alguma coisa do Senhor, dúbio e inconstante como é em tudo que faz.” (Tg 1, 5-7)

Discernimento, liberdade e responsabilidade estão intimamente ligados. No alvorecer do cristianismo, São Pauo lançou as bases para a ética da vida cristã. Sua proposta consistiu em aliar à liberdade a responsabilidade “tudo me é permitido, mas nem tudo me convém”. (1 Cor 6,12)
Ainda na primeira epístola enviada aos Coríntios verificam-se apelos semelhantes. Paulo valoriza a liberdade mas aconselha a prudência:

“(...) tomai cuidado para que a vossa liberdade não se torne ocasião de queda para os fracos.” (1 Cor 8,9)

Outra epístola paulina que mostra claramente a liberdade como um dos elementos éticos fundamentais da vida humana é a carta aos Gálatas:

“Foi para a liberdade que Cristo nos libertou.” (Gl 5,1)

No contexto de tudo que Paulo escreve , é possível deduzir o que convém aos cristãos: tudo o que congrega, edifica e tece a vida das pessoas. É preciso então discernimento:

“E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos, renovando a vossa mente. A fim de poderdes discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, agradável e perfeito.” (Rm 12, 2)

A Igreja Católica tem o compromisso de orientar o povo de Deus nesse sentido e o tem feito, sobretudo após o Concílio Vaticano II, quando através da Constituição Dogmática Gaudium et Spes, renovou as exortações de Paulo, valorizando as decisões individuais das pessoas e a sua própria autonomia moral, sem contudo deixar de lembrar que todo ser humano tem o dever de esforçar-se em aperfeiçoar a voz da própria consciência.

Ser livre não significa poder fazer o que quiser. Ser livre significa alcançar o mais alto nível de discernimento, ouvir a voz da consciência com a maior nitidez possível e, amparado pelo aperfeiçoamento espiritual adquirido pela luz da doutrina, encontrar sempre o melhor caminho.

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sexta-feira, 4 de junho de 2010

A Vulgata - Uma breve história sobre o surgimento da nossa Bíblia

Nos primórdios do Cristianismo, quando o número de cristãos crescia em diversas regiões do Império Romano, um grave problema se apresentou. Esses novos cristãos, de língua latina, não conheciam o grego, idioma no qual foram escritos (ou para ele traduzidos), os livros das Sagradas Escrituras.

Nasceu então a necessidade de versões em latim para os livros sagrados. Essas primeiras traduções foram feitas por homens, de um modo geral, de cultura duvidosa (não dominavam o grego e muito menos o latim), usando como base a tradução grega dos LXX ou Septuaginta (*).

Dessa forma, as cópias das Sagradas Escrituras se multiplicavam criando grande confusão. Pior que isso, o texto sagrado acabou corrompendo-se. Ao que tudo indica, a primeira dessas controversas versões surgiu no fim do século dois da Era Cristã, nas províncias romanas ao norte da África. Na primeira metade do século IV, surgiu uma versão européia que Santo Agostinho chamava de “Ítala” (italiana).

Em 366, inicia-se o pontificado de São Dâmaso I. Entre 383 e 384, ele pede a São Jerônimo que revise todas as traduções feitas até então a fim de elaborar uma última e definitiva versão em latim.

São Jerônimo nasceu em algum lugar próximo à Emona (atual Croácia). Aos trinta anos fez-se monge na Síria onde aprendeu o grego, o hebraico e o aramaico. Para cumprir a missão dada por Dâmaso, durante quinze anos Jerônimo procurou cópias, comparou textos, consultou a ciência dos rabinos e os Mishna (livros que influenciaram mais tarde os judeus e os islâmicos). Na biblioteca de Orígenes, da Escola de Cesaréia, encontrou a Héxapla (seis colunas), uma versão da Septuaginta que continha o texto em hebraico e diversas versões gregas em colunas paralelas.

O primeiro grande resultado alcançado foi a versão latina do Novo Testamento. Jerônimo utilizou-se de uma das antigas versões latinas chamada “Vetus Latina”, além de usar o texto em grego dos evangelistas. Porém, não parou por aí. Traduziu também todo o Antigo Testamento diretamente do hebraico para o latim, rejeitando a versão dos LXX. Nesta tradução, excluiu os livros escritos diretamente em grego, considerando-os não canônicos.

Nascia assim a Vulgata. Uma versão das Sagradas Escrituras escrita em um latim de estilo popular e fácil, porém elegante. Dada a excelente qualidade do trabalho feito por São Jerônimo, ela tornou-se de domínio indiscutível na Igreja latina.

Entretanto, a partir do século VI, problemas começaram a aparecer. Surgiram cópias e mais cópias descuidadas da Vulgata das quais destaca-se como mais conhecida a “Parisiense”, muito usada mas infiel ao original de São Jerônimo. Essa versão, inclusive, teria sido a primeira impressa por Gutemberg, o inventor da imprensa, entre 1450 e 1452.

Em 1545, o Papa Paulo III abriu o Concílio de Trento, cujo principal objetivo era responder às proposições da reforma protestante. Neste Concílio, foi definido que as tradições apostólicas devem ser aceitas com o mesmo respeito que as Sagradas Escrituras, cujo cânone também foi fixado: a Vulgata de São Jerônimo foi declarada autêntica, ou seja, suficiente para a demonstração dos dogmas da Igreja.

Essa autenticidade só foi definitivamente interpretada pelo Papa Pio XII em 1943, quando o mesmo afirmou que a Vulgata é fonte segura da doutrina católica sendo substancialmente fiel ao texto original. Na Encíclica “Divino Afflante Spritu”, Pio XII permite e incentiva as traduções da Vulgata em língua moderna para o uso comum.

No Concílio Vaticano II, aberto em 1961, o Papa Paulo VI ordenou que fosse feita uma nova revisão no texto de São Jerônimo. A nova redação, a “neo-vulgata”, resultou no texto oficial da Igreja adotado em 1979 e perdurando até os dias de hoje.

O trabalho realizado por São Jerônimo foi de inestimável valor, permanecendo no seio da Igreja por vários séculos. É dever de toda boa edição da Bíblia, fazer referência à Vulgata.

(*) Chamava-se assim porque entre o terceiro e o primeiro século antes da Era Cristã, setenta e dois rabinos traduziram os livros do Antigo Testamento do hebraico para o grego koiné. Esse trabalho teria sido concluído em setenta e dois dias.

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A paz de Cristo!

Capa de uma cópia da Vulgata, editada em 1590

segunda-feira, 31 de maio de 2010

A Santíssima Trindade - Parte 1

A fé católica é esta: adoramos um só Deus na Trindade - Pai, Filho e Espírito Santo. É Trindade na Unidade, sem confusão das pessoas e sem divisão da substância. Fala-se muito que a Santíssima Trindade é um mistério e, de fato, é. É impossível para nós entendê-la por completo. Mas não se preocupe. Quando alcançarmos finalmente o Reino dos Céus, nós conheceremos a plenitude da verdade. Prepare-se para esse momento!

Embora seja um mistério, há muitas coisas que são possíveis conhecer sobre a Santíssima Trindade. As Sagradas Escrituras contém informações mais que suficientes para elaboração da sua doutrina. Vamos, inicialmente, ao Antigo Testamento.

Os cristãos de um modo geral simplificam as coisas afirmando que no Antigo Testamento só é revelado o Deus único, enquanto no Novo Testamento nos é revelada a Santíssima Trindade. Entretanto, é possível identificar algumas leves prefigurações trinitárias também no Antigo Testamento, das quais é possível destacar:

Gn 1, 26 - "Façamos o homem à nossa imagem e semelhança."

Observe que o autor do texto sagrado, inspirado, põe o verbo fazer na primeira pessoa do plural. Alguns vêem aí um diálogo íntimo entre pessoas divinas. Ou seja, interpretado assim, tal trecho mostra a presença da Trindade no momento da Criação.

Mais interessante ainda é o trecho abaixo, conhecido como xenodoquia (hospitalidade de Abraão aos estrangeiros).

Gn 18, 1-3 - "O Senhor apareceu a Abraão nos carvalhos de Mambré, quando ele estava assentado à entrada de sua tenda, no maior calor do dia. Abraão levantou os olhos e viu três homens de pé diante dele. Levantou-se no mesmo instante da entrada da sua tenda, veio-lhes ao encontro e prostrou-se por terra. Meus senhores, disse ele, se encontrei graça diante de vossos olhos, não passeis avante sem vos deterdes em casa de vosso servo."

Repare que no início do capítulo o autor diz que o Senhor apareceu a Abraão. Em seguida, afirma que Abraão viu três homens de pé diante dele. A Unidade está expressa em "Senhor", no singular. A Trindade aparece na menção aos "três homens".

Entretanto, é mais útil para nós fixarmos nossa atenção no conceito de Deus único como se revela na maior parte do Antigo Testamento. O Deus transcendente elevado divinamente acima de todo o resto e que, ao mesmo tempo, relaciona-se de modo particular com o seu povo, como um pai compadecido por sua sorte.

Deus desce dos céus para junto do povo do Israel e com o seu amor supera o abismo entre ele e os homens mortais. E faz isso através de sua palavra, da revelação de sua sabedoria e do envio do seu espírito. Sobre isso, falaremos na parte 2.

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A paz de Cristo!

Ostensório Pericorese